terça-feira, agosto 28, 2007

MENDIGOS MODERNOS

“Dom Pedro” foi o mendigo mais conhecido da região. Ele morava no pequeno corredor que separava dois prédios na Avenida Farrapos, na Zona Norte em Porto Alegre. Ele possuía carrinho de madeira do tamanho de uma cama e caixas de papelão. Protegia-se contra o frio com cobertores encardidos e mal-cheirosos. Dormia até o meio-dia. Comia sobras das refeições dos moradores do entorno. Não falava com ninguém nem que fosse para agradecer.
Tinha como companheiro o vira-lata. Era dócil.

“Doutor”, pedinte que freqüentava as escadarias da Igreja São Pedro, no bairro Floresta, em Porto Alegre acordava quando o padre abria a enorme porta de madeira maciça e os sinos tocavam chamando fiéis para a primeira missa. “Doutor” olhava para o campanário até a última badalada. Com a autorização do padre acomodava-se próximo à porta e pedia qualquer ajuda enquanto catava piolhos entre os cabelos desgrenhados. Como “Dom Pedro”, era dócil e inofensivo. Diziam que era médico e que, ao ser abandonado pela esposa, caiu em depressão e enlouqueceu. O maltrapilho teria filhos e filhas.

“Vassourinha” era varredor de rua. Durante o dia ele empurrava o carrinho de lixo que tinha enormes rodas de madeira. A vassoura era feita com galhos secos dos cinamomos que ele mesmo recolhia e amarrava com arames. Eternamente embriagado balbuciava palavras sem sentido, desconexas e que faziam a alegria da piazada da rua. Mas “Vassourinha” não se incomodava e seguia arrastando a carrocinha vazia rua acima.

“Fernandão” lavava carros na loja de veículos da esquina. Bebia depois do expediente. Sentado no cordão da calçada pedia para jogar bola com a gurizada. Porém, ele não conseguia se levantar. Bem que tentava, mas caia e rolava no paralelepípedo. Daí não parava mais de alternar riso e choro até que dormisse bêbado.
Chamava-nos de “burguesinhos” que para nós, moleques, poderia ser um elogio ou uma ofensa; tanto fazia! Assim, convivíamos em paz.

Por serem dóceis e inofensivos – apesar de mendigos e alcoólatras – eram “bem-aceitos” no bairro. As carolas colocavam algumas moedas nas caixinhas de sapato à porta da Casa de Deus. Certamente que o Senhor anotaria no caderninho pessoal de cada uma delas que, aquela esmola, ajudaria na hora do julgamento final.
O dono do Simca Chambord "permitia", aos sábados, que “Fernandão” lavasse o carro em troca de um prato de comida. Dinheiro nunca! Pois o miserável compraria doses de conhaque e mais conhaque.

O tempo passou deixando para trás a docilidade e a inocência de todos nós.
A miséria aumentou trazendo junto com ela a agressividade geral. Alguns mendigos se profissionalizaram. Compram eletrodomésticos, montam casa, pagam contas e fogem da polícia como acontece em Uberlândia.

Vivemos acuados vítimas de predadores e da nossa consciência que nos julga e nos condena por negar uma moeda ao mendigo da esquina.

Nota sobre a imagem: Mendigo - Aquarela. Autor: Manolo Jiménez

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