A história que conto agora
aconteceu em 1954 numa vila localizada no interior de um município do Rio
Grande do Sul, no Brasil meridional.
A vila foi fundada por volta de
1.890 por imigrantes alemães. As casas e instalações foram construídas num vale
cercado de montanhas. Um rio margeava a cidade de ruas poeirentas, porém muito
arborizadas. A vila não tinha mais do que 1.500 habitantes.
O
ABORTO
Karl Zander tinha um
consultório muito bem montado localizado próximo ao Hospital Geral do distrito
de um município próspero.
O lugar era bastante
industrializado e tinha a economia baseada no setor coureiro.
O gado da região era criado com a
finalidade de fornecer o couro que, depois de curtido, abastecia as fábricas de
calçados. Quase todos os moradores trabalhavam nas fábricas.
As clientes do Dr. Karl eram
as mulheres grávidas. Em 1954, Zander criou um sistema inovador que firmava um
convênio com as fábricas, o qual, dava aos funcionários – homens e mulheres -,
perante um pagamento mínimo do valor da consulta, a condição de serem atendidos
até o nascimento do bebê.
O doutor Zander gozava de
excelente conceito entre seus pacientes. Ele era o único médico na região.
Pois, foi durante um
procedimento médico que o doutor Karl Zander precisou tomar uma decisão rápida
que lhe trouxe muita dor de cabeça.
Numa noite, já em casa após
um exaustivo dia de consultas e cirurgias no hospital, bateram à porta de sua
casa. Zander ouviu a voz de um homem que o chamava desesperadamente.
- Doutor, por favor! Venha
ver minha filha! Ela está mal, muito mal!
- Acalme-se, homem. Onde ela
está?
- Venha comigo. Vamos até
minha casa em Lautertberg.
No caminho ele contou que a filha completara 14 anos e ficara grávida de um rapaz, guarda-livros na vila vizinha. Se conheceram há seis meses durante uma festa,
namoraram e ela teria sido seduzida pelo jovem que, aliás, desapareçera depois
de tomar conhecimento da gravidez da namorada.
Após contar com detalhes o
relacionamento dos dois jovens, o pai, muito nervoso se apresentou.
- Desculpa. Sou Lothar
Lenner. Tenho um empório na Linha 17, do outro lado de Lautertberg.
Depois de uma hora de viagem
por uma estrada de terra, em cima de um pequeno caminhão, chegaram à casa de
Lothar. Logo os cães se aproximaram e latiram em volta dos dois homens.
Ouvia-se o barulho do gerador
próximo ao galpão que não se conseguia enxergar devido à noite. Fazia frio e a chuva fina caía.
Subiram os degraus da
escada de madeira que dava acesso à varanda e Zander foi convidado a entrar.
- Esta é minha mulher Helga,
doutor; sirva qualquer coisa quente para o doutor, mulher, - e dirigiram-se
para o quarto onde estava a filha de Lothar.
Ao lado da menina, sentada na
cama, uma mulher tratava de molhar o pano na bacia com água morna e de pronto colocava sobre a testa da jovem. A bacia, em cima do criado-mudo, era
abastecida de água que Helga trazia em uma chaleira de ferro.
Lothar pediu que a mulher se
afastasse para que o doutor pudesse examinar a adolescente.
Zander observou que o estado
da menina era muito grave. Fez os primeiros exames e pediu para ficar a sós com
a jovem. Por cerca de cinco minutos ele examinou com cuidado aquela
pequena. Em seguida pediu para ficar a
sós com Lothar.
- Sua filha está muito
debilitada. Ela está correndo risco de morte. Tenho que levá-la para o hospital
e, bem, tenho que fazer o aborto. É a única salvação.
- Doutor, saiba que eu não
fui buscá-lo para ouvir falar em aborto. Sou totalmente contra. O senhor
encontre outra solução e que seja rápida e eficiente. É a vida dela que está em
suas mãos e que nada de pior aconteça com ela. Eu não sei como reagiria num caso extremo, doutor Zander.
- Lothar, o médico aqui
sou eu e o único que pode saber o que fazer. Portanto, se você quiser a sua
filha viva, autorize esse procedimento, por favor!
Depois de pensar por alguns
segundos, Lothar olhou para Zander e dissse:
- Está bem. Mas, se minha
filha morrer..., - e saiu do quarto batendo as botas no chão de madeira.
Lothar, Zander, Helga e a menina chegaram ao
hospital depois de quase uma hora de viagem.
Já na sala de cirurgia, a jovem
foi submetida aos procedimentos médicos. A intervenção demorou quarenta
minutos.
Os pais, apreensivos, haviam
convocado um pastor para lhes dar apoio espiritual naquele momento tão difícil
pelo qual estavam passando.
Zander saiu da sala de
cirurgia com a pior notícia. A garota havia morrido tinha
pouco mais de dez minutos.
Lothar não se controlou e partiu
para cima de Zander desferindo-lhe um potente chute. Zander caiu, batendo a
cabeça na parede. Lothar seguiu desfechando socos e tapas e, aos
berros na sala de espera do bloco cirúrgico, gritava : - Assassino! Assassino!
Você matou minha filha!