terça-feira, agosto 28, 2007

MENDIGOS MODERNOS

“Dom Pedro” foi o mendigo mais conhecido da região. Ele morava no pequeno corredor que separava dois prédios na Avenida Farrapos, na Zona Norte em Porto Alegre. Ele possuía carrinho de madeira do tamanho de uma cama e caixas de papelão. Protegia-se contra o frio com cobertores encardidos e mal-cheirosos. Dormia até o meio-dia. Comia sobras das refeições dos moradores do entorno. Não falava com ninguém nem que fosse para agradecer.
Tinha como companheiro o vira-lata. Era dócil.

“Doutor”, pedinte que freqüentava as escadarias da Igreja São Pedro, no bairro Floresta, em Porto Alegre acordava quando o padre abria a enorme porta de madeira maciça e os sinos tocavam chamando fiéis para a primeira missa. “Doutor” olhava para o campanário até a última badalada. Com a autorização do padre acomodava-se próximo à porta e pedia qualquer ajuda enquanto catava piolhos entre os cabelos desgrenhados. Como “Dom Pedro”, era dócil e inofensivo. Diziam que era médico e que, ao ser abandonado pela esposa, caiu em depressão e enlouqueceu. O maltrapilho teria filhos e filhas.

“Vassourinha” era varredor de rua. Durante o dia ele empurrava o carrinho de lixo que tinha enormes rodas de madeira. A vassoura era feita com galhos secos dos cinamomos que ele mesmo recolhia e amarrava com arames. Eternamente embriagado balbuciava palavras sem sentido, desconexas e que faziam a alegria da piazada da rua. Mas “Vassourinha” não se incomodava e seguia arrastando a carrocinha vazia rua acima.

“Fernandão” lavava carros na loja de veículos da esquina. Bebia depois do expediente. Sentado no cordão da calçada pedia para jogar bola com a gurizada. Porém, ele não conseguia se levantar. Bem que tentava, mas caia e rolava no paralelepípedo. Daí não parava mais de alternar riso e choro até que dormisse bêbado.
Chamava-nos de “burguesinhos” que para nós, moleques, poderia ser um elogio ou uma ofensa; tanto fazia! Assim, convivíamos em paz.

Por serem dóceis e inofensivos – apesar de mendigos e alcoólatras – eram “bem-aceitos” no bairro. As carolas colocavam algumas moedas nas caixinhas de sapato à porta da Casa de Deus. Certamente que o Senhor anotaria no caderninho pessoal de cada uma delas que, aquela esmola, ajudaria na hora do julgamento final.
O dono do Simca Chambord "permitia", aos sábados, que “Fernandão” lavasse o carro em troca de um prato de comida. Dinheiro nunca! Pois o miserável compraria doses de conhaque e mais conhaque.

O tempo passou deixando para trás a docilidade e a inocência de todos nós.
A miséria aumentou trazendo junto com ela a agressividade geral. Alguns mendigos se profissionalizaram. Compram eletrodomésticos, montam casa, pagam contas e fogem da polícia como acontece em Uberlândia.

Vivemos acuados vítimas de predadores e da nossa consciência que nos julga e nos condena por negar uma moeda ao mendigo da esquina.

Nota sobre a imagem: Mendigo - Aquarela. Autor: Manolo Jiménez

domingo, agosto 19, 2007

BRASIL COM "S"






Meu amigo Rui Barbosa, da Editora Rigel, enviou-me e-mail demonstrando surpresa pelo fato de, na barra da direita de meu blogue, aparecer o nome do nosso País com "Z".

Expliquei que o erro não era meu e que fazia parte da formatação padrão do http://www.blogger.com/

Assim, explicado está.

AÇAÍ E A DOENÇA DE CHAGAS

A notícia veiculada no Jornal Folha de Boa Vista na edição FOLHA WEB de hoje faz um alerta com relação ao açaí.


Açaí faz 1 vítima de doença de Chagas a cada 4 dias na Amazônia

Da Redação


A cada quatro dias, em média, uma pessoa é infectada com doença de Chagas ao beber suco de açaí na Amazônia. Tem sido assim nos últimos 15 meses, quando 15 surtos da doença foram registrados no Pará, no Amazonas e no Amapá.Neste mês, já há dois surtos notificados: um em Breves (PA) e outro em Abaetetuba (PA). Quinze pessoas foram diagnosticadas com a enfermidade. Uma morte é investigada.Os dados, do Ministério da Saúde, evidenciam uma nova preocupação do órgão: lidar com a transmissão oral um ano após receber da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) um certificado de eliminação da transmissão pelo barbeiro \"caseiro\" (que vivia em colônias em buracos nas paredes de habitações precárias).Desde junho do ano passado, 116 pessoas pegaram a doença após ingerir sucos típicos da região (principalmente açaí e bacaba -chamado de açaí branco) triturados com o barbeiro.De acordo com o Instituto Evandro Chagas, de 1968 até 2005, foram registrados, em média, 12 casos por ano na região amazônica por via oral. Ou seja, houve aumento de 867%.O ministério aponta ao menos três razões para essa situação: a subnotificação de casos até então, o desmatamento e as queimadas na Amazônia e a falta de cuidado e higiene no processamento artesanal da fruta.A doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, transmitido pelo barbeiro. Os sintomas são febre, mal-estar, dor de cabeça e nas articulações, inchaços dos olhos, do fígado e do baço e alterações cardíacas.

sábado, agosto 18, 2007

CRÔNICA PARA NÓS MESMOS





A maioria dos conteúdos que encontramos nos sites, portais, blogues, jornais e revistas que tratam sobre política, destacam o momento negativo pelo qual o Brasil transita.
É comum lermos sobre a incompetência dos governantes, a falta de ética e o abandono de princípios básicos da moralidade.
As críticas dirigidas ao presidente Lula quase que se repetem.
Os textos não são meros amontoados de palavras ou idéias. Quase sempre são escritos ancorados em argumentos e fatos reais e não meramente lançados na mídia com o objetivo de criticar-por-criticar.

Raros são os textos de cronistas que defendem o governo ou que apresentam números positivos que serviriam como escudo às críticas cada vez mais intensas. Exceto os índices das pesquisas que, apesar de toda a turbulência, mostram Lula sendo apoiado por parte do povo.
E os críticos não contestam os quase 50% de prestígio que o presidente detém.

Porém, aqui está o fato curioso.
Quem lê crônicas na internet, jornais e revistas são os mesmos que escrevem os textos e crônicas nas revistas, nos jornais e na internet. Outros vão atrás da notícia e são aqueles que procuram saber as opiniões de especialistas para poderem formar sua própria idéia sobre os acontecimentos.

Escrevemos e falamos para nós mesmos e para poucos.
Sou excludente - porque excluo a parte da população que não tem acesso à leitura ou à internet por falta de condições.
Alguns formadores de opinião e governantes da mesma forma excluem os pobres que são amparados por políticas sociais que ao mesmo tempo em que auxilia, segrega e compra a simpatia através de artimanhas e ciladas, fazendo dos menos preparados parceiros sem opinião.

Ler o jornal depende de poder aquisitivo também. Todavia, prevalece o interesse da pessoa, “enquanto” cidadão, por revistas e textos de jornais. É uma questão de educação e hábito.

A grande parte da população pobre e marginalizada não toma conhecimento das importantes questões que são postas em discussão diariamente. Seguem desinformadas, sem saúde, sem educação, sem infra-estrutura básica de saneamento e sem segurança.

Agora se alimentam, mas até quando?
O Brasil tem reservas, mas até quando?
A distância abismal entre pobres e ricos permanece, mas até quando?

As televisões, instrumentos de integração nacional, cumprem sem muitos cuidados seu papel. Esquecem (serão tão ingênuos assim?) que o Brasil é formado por diferenças culturais importantes e se dedicam à difusão das gírias e costumes da “beira-mar”, desprezando o cerrado, o pantanal, as florestas tropicais ou o pampa sulista.

Portanto, enquanto a informação não chegar às classes mais fragilizadas e continuarmos escrevendo crônicas para nós mesmos e que poderiam provocar a discussão sadia da realidade política e social do Brasil, estaremos andando em círculos e trabalhando de acordo com os interesses daqueles que não querem que a realidade seja desvendada.

quinta-feira, agosto 16, 2007

A SAGA DE UM ITALIANO

O conto "A SAGA DE UM ITALIANO" é parte integrante do material publicitário de um lançamento imobiliário. O livro com o conto e o folder contendo informações sobre o projeto arquitetônico serão entregues aos clientes no lançamento das vendas do empreendimento.


DEPOIS DO ALMOÇO...

Os “depois do almoço” sempre foram agradáveis. Gino, um italiano alto e gordo, baixava os suspensórios dos ombros largos, levantava-se do lugar privativo na cabeceira da mesa para seis pessoas, batia com as duas mãos na barriga e ia para a sala. Esse era o sinal que indicava o fim das refeições na casa dos Longgi. A cozinha era o local de encontro da família. Ali eles comiam, rezavam, cantavam, choravam e brigavam. Angelina, a mãe, também italiana da região de Emilia – Romagna passava o tempo em volta do fogão a lenha e ocupada com as roupas e a saúde dos filhos Oscar e Nelson.
Gino Longgi era nascido na região de Trentino – Alto, no norte da Itália.
Aos dezoito anos emigrou para o Brasil em busca de uma vida melhor. Era março de 1877.
Antes de embarcar no navio, na Itália, viajou durante o rigoroso inverno europeu a pé ou conseguindo carona em carroças. Dependeu da generosidade dos conterrâneos para se alimentar com a ração mínima que um ser humano poderia suportar para sobreviver.
Assim chegou até o Porto de Gênova de onde partiam os navios a vapor levando a gente simples e sofrida que, sem trabalho na terra natal, não encontrava outra alternativa a não ser ir para o Brasil.
Durante o tempo em que esteve no cais do Porto de Gênova, tratando de se habilitar e atender às exigências legais do serviço de emigração, Gino ouviu muitas histórias sobre a vida no Brasil. Contaram-lhe que não se tratava de todo aquele esplendor que os agentes brasileiros falavam. Soube das dificuldades pelas quais passavam os italianos nas fazendas de café dos paulistas e da truculência dos patrões com relação aos colonos.
Depois de uma semana, Gino obteria o visto de embarque. Dentro de dois dias o vapor partiria. O destino era o Porto de Rio Grande, no sul do Brasil de onde viajaria para um lugar ainda não sabido.
Na hora do embarque as pessoas se acotovelavam na entrada da rampa que dava acesso ao navio. Todos, sem exceção, tinham estampado no rosto e nos olhares assustados, o medo de, na última hora, perderem a oportunidade de subir no vapor.
Com Gino não acontecia diferente. Mas a fome era aquilo que mais o incomodava. Não comia há dois dias. Somente ingerira água e comera pão que lhe fora oferecido por uma senhora que lhe trouxe à memória a imagem da mãe aos prantos quando ele partiu da “comuni”, em Trento. Gino perdera o pai aos sete anos. Era filho único. A mãe não quis acompanhá-lo na viagem. Faltou coragem. Ficou na Itália morando com um parente.
Gino embarcou. O apito do navio fez eco em toda área portuária. Durante as duas ou três semanas seguintes o deck do vapor seria a sua casa. A próxima parada aconteceria no Rio de Janeiro. Outros barcos zarpariam para Porto Alegre e depois o Porto de Rio Grande.


O BRASIL

Gino Longgi desembarcou no Brasil numa manhã de Domingo de dezembro de 1877. O calor era muito diferente do clima do verão em Gênova.
Certa vez ele necessitou ir ao porto italiano em busca de uma oportunidade como marinheiro ou mesmo braçal. Poderia trabalhar como estivador, porém ainda muito jovem, não conseguiu a vaga e teve que retornar para Trento, desempregado!
Nos dias em que esteve transitando no cais de Gênova pode sentir o clima mediterrâneo, com verões quentes e secos. Agora, na América, provava o calor elevado e muito úmido.
A barriga conseguira enganar por conta da cota de ração que os agentes brasileiros distribuíram durante a viagem. Perdera cerca de seis quilos e provavelmente, quando chegasse ao destino determinado no contrato que assinara na Itália, deveria estar com dez quilos a menos.
Os próximos quatro dias de viagem aconteceriam em cima de carretas tocadas por juntas de bois, cobertas por lona e lotadas com homens, mulheres e crianças. O destino seria um vilarejo localizado ao pé da serra.
Gino era um garoto. Recém completara 18 anos. Não tinha tempo para sentir saudade da mãe e de uns poucos amigos de Trento.
As carretas estacionaram em frente à porteira de um sítio localizado próximo a sede da Vila do Bugre, no Vale do Burati, no sul do Brasil. O cocheiro desceu para abrir a cancela que dava acesso à estrada de terra. Os cães latiam sem parar. Era final de tarde e o sol já não iluminava a mata em volta.
Gino ouviu pela primeira vez sons que jamais esqueceria. Eram pássaros que piavam procurando o melhor lugar para passar à noite e felinos rugindo ameaçadoramente. Mas o mais impressionante foi o som rouco dos bugios gritando como que para informar que o local era posse deles. Ele olhava para a copa das árvores. Nada via além de galhos balançando apesar da falta de vento. O clima permanecia úmido e abafado.
Agora dentro de um enorme galpão o cheiro de pasto armazenado fermentando por causa do calor e o forte odor de urina e excrementos de vacas e porcos denunciavam estarem dentro de um celeiro ou de uma estrebaria.
A lona que cobria a carreta na qual viajara se abriu; um homem enfiou a cara e ordenou, em italiano, que todos descessem e ficassem lado a lado.
Ele se identificou como capitão Jacinto, agente colonial responsável pela apresentação dos colonos ao diretor daquela Colônia Provincial.
A região era muito pobre; o terreno muito acidentado e debaixo da terra encontravam-se extensas camadas de basalto. A natureza exuberante apresentava vales que se abriam logo ali em frente e que eram abastecidos pelas águas dos arroios tributários dos Rios das Antas e Caí.


A COLÔNIA PROVINCIAL

Quatro meses se passaram desde que Gino Longgi chegara à Colônia Provincial.
Inquieto e insatisfeito com as condições de saúde e de trabalho ele foi para um lugar denominado Poço das Antas.
A viagem se deu por caminhos quase intransitáveis. Por lá tentou trabalhar como agricultor pelo tempo de seis meses. Sem obter melhora Gino decidiu abandonar a colônia e tratar de sua sobrevivência pelas próprias forças. Não queria mais depender de agentes provinciais.
Como não mais produzia perdeu a concessão como colono. Ele não se importou. Rumaria para a Colônia Caxias, lugar muito próspero e no alto da serra. Viajou em carretas e depois de três dias transitando pelo meio da mata, sentindo frio, sede e fome, chegou ao vilarejo.
Lá, dois ou três anos atrás, instalaram-se em torno de 110 famílias tirolesas, bergamascas, venetas e cremonesas.
Gino, um jovem cheio de saúde e que escapara da varíola, não encontrou dificuldade para obter trabalho. Foi aceito como aprendiz de ferreiro em uma selaria.
Morava nos fundos do estabelecimento em um pequeno quarto. O banheiro externo era utilizado pelos empregados e as refeições servidas em outro galpão ao lado da oficina onde ficavam as bigornas e o forno.
D. Antonia, 38 anos, cozinhava e colocava nas bandejas a comida para os dez empregados. Era a esposa de Giuseppi Tostti, 44 anos, o proprietário. O casal não tinha filhos.
Após seis meses trabalhando e aprendendo o ofício de ferreiro, Gino tornou-se membro da família Tostti sendo convidado a ocupar o quarto que ficava no sótão da casa. Era tratado como um filho. Antonia revisava e costurava as poucas camisas e as duas calças de Gino. Ganhou botas de cano curto novas e um colete de couro no dia em que completou 19 anos.
Giuseppi e Antonia eram extremamente religiosos e foram até a Capela de Santa Lucia para conversar com o Padre Carlo. Como haviam adotado o rapaz queriam que ele recebesse a benção como novo membro da família dos Tostti. O padre pediu que Gino ajoelhasse em frente ao altar e, colocando a mão direita sobre a cabeça do rapaz, falou algumas coisas em latim, fez um enorme sinal da cruz com a mão esquerda elevada, abençoando-o.
- Bem, signor Giuseppi e dona Antonia. Gino está sob a proteção do manto sagrado da Igreja Católica, Apostólica e Romana. Podem seguir suas vidas que Deus estará sempre ao lado das pessoas de paz.
Assim Gino encontrou um lar. Participava dos encontros sociais com a nova família e, no dia da Festa de São Vito, conheceu Angelina com quem casaria anos mais tarde.
Angelina era uma italianinha de cabelos loiros cacheados. Tinha 18 anos e chegara da Itália, da região de Emilia – Romagna, com o pai Julio Durano, viúvo de Maria de Lurdes que morrera de varíola logo que chegou à colônia provincial Conde d’Eu, em 1870. O signor Durano cuidava da videira que cultivava em sua terra próxima do lote dos Tostti. Ali ele produzia vinho, salame, queijo e suco de uva para a própria subsistência.
A Festa de San Vito propiciava encontros entre os imigrantes que vinham das colônias próximas. Cada família colaborava com algum prato típico e vinho.
O Padre Carlo era responsável pela abertura da Festa que acontecia, oficialmente, logo após o fim do ato religioso que ocorria na praça do vilarejo. Depois da benção final na capela o religioso se deslocava acompanhado pelos fiéis até a o centro da praça onde estava o coreto. O primeiro gesto era abrir a gaiola da qual saiam seis pombos brancos que simbolizavam a liberdade e a paz.


GINO E ANGELINA – JUNHO DE 1883.

Desde aquele dia de San Vito, em junho de 1878, Gino e Angelina não se separaram mais. Cinco anos depois no dia do aniversário de Gino, quando ele completou 24 anos, casaram-se. Construíram um pequeno chalé de madeira nos fundos do lote de Julio Durano, o pai dela, onde passaram a lua de mel. Não tinham como viajar.
As estradas eram precárias e também não cultivavam o hábito de se afastarem dos familiares por muito tempo. Os colonos italianos preferiam a vida em família e a religiosidade.


GINO, ANGELINA E CAXIAS – JUNHO DE 1910.

Gino Longgi, então com 46 anos, fechava a porta de entrada de seu armazém de secos e molhados e Angelina, agora com 45 anos, e os dois filhos do casal – Oscar e Nelson – de 10 e 12 anos aguardavam impacientes na frente do estabelecimento comercial.
Nessa época, Gino comercializava aqueles produtos que antes produzia somente para subsistência da própria família. No armazém vendia o vinho produzido na videira de sua propriedade na zona rural, salame, queijos, feijão, arroz, milho e alimentos em geral.
O “Armazém Longgi” seria ponto de referência na cidade.
Os quatro seguiriam para a praça central lugar onde aconteceria o ato de assinatura do documento oficial que elevava Caxias à categoria de cidade.
Neste mesmo dia chegava o primeiro trem à cidade, ligando a região à capital do Estado. A estrada de ferro daria um impulso desenvolvimentista à Caxias porque abria a porta para que imigrantes de outras regiões se deslocassem em busca de trabalho.
O espírito empreendedor e a disposição para o trabalho daquele povo fariam a cidade crescer rapidamente.

A VINÍCOLA E OSCAR LONGGI

Atento aos acontecimentos Gino Longgi, aproveitando-se do prestígio que possuía junto ao comércio e aos bancos, abriu a sua própria vinícola. Com incentivos oficiais ganhou terreno e isenção de impostos, fato que viabilizou a construção da sede da “Vinícola Trentino – Alto” nome escolhido em homenagem à região da Itália de onde ele viera há 35 anos.
Assim em junho de 1912 a população pode conhecer as instalações da vinícola que já nascia com a produção de vinhos tintos vendida para o comércio da região.
Oscar, o mais velho dos dois filhos da família Longgi, trabalhava com o pai no armazém desde os 12 anos. Fazia as entregas aos clientes em uma bicicleta adaptada com dois balaios de vime. Durante o período da construção da vinícola, cuja obra fora erguida ao lado armazém, Oscar acompanhava cada metro quadrado que se erguia.
Quando se deu a inauguração Oscar pediu ao pai licença para trabalhar na vinícola deixando livre a vaga de entregador que seria de seu irmão Nelson.
Então Oscar, com 14 anos, foi atuar no setor da produção na área de desembarque da uva que vinha da colônia.
Quando completou 20 anos, Gino colocou seu filho no cargo de vendedor. O ano era 1918.
Dez anos depois, em 1928, Oscar com 30 anos, era o gerente comercial da Vinícola Trentino–Alto. O vinho produzido era de excelente qualidade e ganhara dois prêmios concedidos pela Associação Comercial de Caxias.


GINO LONGGI – 64 ANOS; ANGELINA TOMASI LONGGI – 63.

Num Domingo de inverno, Angelina avisou que o almoço estava servido.
Oscar, sua mulher Emilia e o filho Pietro de quatro anos, Nelson e a esposa Isa, grávida de três meses e o “Nono” Gino conversavam em volta do fogão a lenha da cozinha da casa do patriarca da família Longgi.
Angelina, a “Nona Gina” como os filhos a chamavam, sentia-se uma mulher realizada.
Aos 63 anos e gozando de uma saúde de ferro era capaz de sair da cama antes das seis da manhã, mesmo em dias de rigoroso inverno na região serrana, e cuidar da criação de coelhos e galinhas, bem como da pequena horta que cultivava nos fundos do lote do sobrado erguido com pedras de basalto cuidadosamente cortadas. A casa ficava na cidade.
Deixara a colônia há alguns anos para acompanhar o marido que precisou vir para a sede do município em função do armazém e depois dos negócios na vinícola. Os Domingos eram a sua maior alegria. Os filhos, o neto e as noras enchiam a casa de risadas e cantorias e faziam-na sentir-se útil. Porém, durante a semana, o sobrado era tomado pelo vazio do silêncio.
No sótão, onde ficavam os dois quartos de Oscar e Nelson, Angelina tirava o pó dos móveis e varria o chão todos os dias como se os filhos ainda morassem com ela. Ainda ouvia o barulho das brincadeiras dos bambini; e toda vez ela chorava de saudade; lágrimas do silêncio, da falta! Antes de voltar para a beira do fogão, como um ritual, ajoelhava-se em frente ao pequeno santuário que ficava no corredor, na descida da escada, e rezava pedindo saúde aos filhos, noras, a Pietro e ao marido. A imagem de Santa Lucia fora trazida da Itália e Angelina, devota, encontrava o conforto espiritual sempre que se sentia chorosa.
Gino sentou-se à cabeceira da mesa e Oscar, à direita, cortava fatias de copa, pedaços de queijo parmesão e salame. Bebiam um tinto de mesa da própria vinícola.
No rótulo lia-se: “Vinho Tinto Seco – safra 1926 – Vinícola Villaggio Trentino – Alto -Caxias do Sul – RS”.
Nelson e Isa auxiliavam Nona Angelina com as travessas com spaghetti al pesto, polenta, frango al primo canto e salada de rúcula com pedacinhos de bacon.
Angelina já colocara o prato com salada de maionese e o pão caseiro sobre a mesa que era coberta com uma toalha de linho branco imaculado.
Pietro era a figura mais importante naquele almoço em família. As atenções se voltaram para o garoto assim que ele pediu ao Nono Gino para beber o vinho servido na taça de cristal. Pacientemente o avô explicou ao neto que ainda não era o momento certo para beber.
Era um verdadeiro encontro de italianos: comida típica, bom vinho, a conversa franca, alegria e paz.
Como no início da refeição repetiram o agradecimento a Deus pela mesa farta, pelo pão e o vinho que haviam saboreado.
Gino baixou os suspensórios, levantou-se, bateu com as duas mãos na própria barriga e foi para o quarto. Pediu, discretamente, que Angelina o acompanhasse.
Ao sinal do marido ela largou o pano de prato que segurava junto a pia e o seguiu.
- O que aconteceu, Gino?
- Não sei. Não me sinto bem!
- Procure dormir um pouco, descansar. Você quer chá? Posso preparar uma xícara de chá de funcho.
- Sinto tontura. Vou deitar um pouco. Não diga nada aos bambini. Vai passar. É só uma dorzinha de cabeça.
Angelina foi até a janela que se abria para o jardim a fim de fechar fechar a cortina.
Um pinheiro fora plantado por Gino logo que a construção da casa foi concluída, anos atrás.
- Deixe a cortina aberta - pediu Gino. - Quero ver os galhos balançando.
O dia era tipicamente de inverno na serra. O céu encontrava-se totalmente encoberto por grossas nuvens de um cinza chumbo; o vento frio soprava constante e a forte umidade penetrava pelos poros. Gino sentiu os pés e as mãos gelados. Ajeitou o cobertor de lã e fixou o olhar nos galhos que jogavam de um lado para o outro.
Viu-se menino no colo da mãe; lembrou da casa em Trento e das brincadeiras com os amigos. Agora se via na Festa de São Vito pegando a mão de Angelina. Sentiu mais frio; tremia um pouco. O olhar acompanhava o balanço dos galhos do pinheiro que pareciam estar encobertos por uma neblina leve. Ouviu distante o som do primeiro choro de Oscar quando do nascimento, no quarto que ficava nos fundos do armazém, quando recebeu dos braços da parteira o filho recém nascido.
Do outro lado da janela surgiu a imagem de Santa Lucia com os braços esticados em sua direção.
- Por que me chamas Santa Lucia?
- Venha comigo, Gino. Deves me acompanhar até a morada de Deus.
Gino levantou-se devagar se sentindo flutuar. A intensa luz ofuscava-o, mas apesar disso seguiria o rastro de luz deixado pela Santa. Ainda olhou para trás e viu a família reunida na cozinha onde, por tantos anos, viveram momentos de felicidade e paz.
As lágrimas correram pelo rosto de Gino. Continuaria feliz, certamente.
Ele pediu desculpas à Angelina pela inesperada viagem que estava se iniciando, beijou a testa dos filhos, das noras e ainda sentou Pietro no colo dando-lhe um carinhoso beijo passando a mão pelos cabelos loiros cacheados, como eram os da jovem Angelina quando a conhecera na Festa de São Vito.
Por último colocou a mão direita sobre a barriga da esposa do filho caçula Nelson como que dizendo: “o Nono Gino estará te acompanhando e te protegendo, pequena Emilia”. Olhou em volta, sentiu o cheiro da casa e seguiu sua viajem.
Angelina saíra preocupada do quarto e fora preparar o chá de funcho que oferecera ao marido.
Os filhos e as noras continuavam à mesa conversando sobre crianças e fazendo planos para o futuro e decidiram que hoje, quando Nono Gino acordasse da sesta, iriam sugerir que ele se aposentasse. Na verdade Gino merecia ficar em casa e dedicar-se ao trabalho com menos freqüência. Seria uma espécie de recompensa pelos árduos anos de labuta.
Na avaliação dos filhos o pai passara por muitas dificuldades desde que chegara de Trento, aos 18 anos. Tudo que tinham foi por conta do sacrifício e trabalho do patriarca. Que ele ficasse em casa com a mãe Angelina ou viajasse para o centro do país, de férias.
A mãe ouviu a conversa e prontamente aprovou a sugestão de Oscar.
- Seu pai precisa trabalhar um pouco menos. Está com 64 anos e já não tem mais a saúde de um giovani. – E seguiu arrumando a xícara na bandeja aguardando que água fervesse na chaleira de ferro fundido que descansava sobre a chama do fogo do fogão a lenha.
Angelina perdeu o olhar entre as pequenas labaredas e fagulhas que se soltavam da boca do fornilho onde a lenha era colocada. Subitamente sentiu um arrepio que lhe percorreu o corpo. Esfregou a mão no braço, pensou em Gino e em Santa Lucia e rezou em silêncio pedindo que Santa protegesse o marido de todo e qualquer mal.


O CHÁ DE FUNCHO

Angelina voltou do fundo do lote onde fora apanhar alguns galhos de funcho. O vento estava mais forte e uma chuva fina molhou os cabelos agora brancos.
Colocou pedaços dos galhinhos dentro da chaleira e logo se podia sentir o cheiro que exalava do líquido fervente. Com a xícara pela metade dirigiu-se para o quarto.
Depois de alguns minutos, ao ouvir o barulho da xícara quebrando ao cair no chão, Oscar levantou-se rapidamente. Ao se aproximar ele encontrou a mãe Angelina ajoelhada ao lado da cama segurando a mão do pai. Oscar procurou consolá-la ao perceber que o pai estava morto.


OS SONHOS DO MENINO.

Angelina caiu em profunda tristeza e não suportando a ausência do companheiro morreria dois anos depois.
Oscar seguiu no comando da Vinícola Trentino – Alto e Nelson fundaria a Construtora Longgi, em 1940, que se destacaria como uma das mais potentes no ramo imobiliário da região da serra.
Os sonhos que o menino Gino Longgi tivera no deck do navio em 1877, quando deitado no chão olhava para o céu estrelado, aconteceram além da conta.
Hoje, na entrega da mais importante obra da Construtora Longgi, Nelson se lembrou da figura do fundador do Grupo Longgi, contou a saga do pai e da importância da mãe Angelina na estrutura da família e deu por inaugurado o Condomínio Villaggio Trentino – Alto baseado na bela temática italiana.

sexta-feira, agosto 10, 2007

MEDICAMENTOS - MAIS UMA...




Curioso é tomar conhecimento da liberdade que as farmácias têm sobre os preços que praticam.
Na verdade não sabemos se são os laboratórios ou as redes de farmácias que controlam o setor. O certo é que há um descontrole, falta de fiscalização ou sei lá o quê.
Exemplo é o preço de um remédio que custa R$ 64,00, mas se pagarmos à vista o preço cai para R$ 59,00 e, se levarmos duas caixas sairá por R$ 52,00.
Assim fica fácil pagar as “trocentas” taxas cobradas pelos serviços dos bancos, impostos, folha de pagamento e assim por diante.
Esta é mais uma das curiosidades que sabemos acontece no Brasil.

quinta-feira, agosto 09, 2007

OS GÊNIOS NA PAMPULHA

O TEXTO

Trata-se de uma ficção baseada no centenário do Arquiteto brasileiro mundialmente conhecido, Oscar Niemeyer e que será comemorado no final deste ano.
A história se desenvolve quando, em dezembro de 2007, exatamente no dia em que o arquiteto comemorará 100 anos de vida, acontece o encontro casual com artistas que participaram do projeto arquitetônico e urbanístico do Parque da Pampulha, em Belo Horizonte.
O romance faz um apanhado histórico do início do movimento Modernista, aborda importantes momentos da política brasileira, passa pelas artes em todas as suas formas de expressão e observa aspectos do início da bossa-nova.
A criação de Brasília e suas particularidades, a amizade com o então Presidente da República Juscelino Kubitschek e o começo da obra da Nova Capital são tratadas respeitando detalhes históricos, mas sempre em forma de romance e ficção.
Personalidades como Roberto Burle Max, Cândido Portinari – o Candinho – Tom Jobim, Vinícius de Moraes e outros artistas esquecidos na maioria das referências existentes, contracenam com o protagonista.
Como não poderia deixar de ser, uma pitada de mistério surge quando Janaína, a estudante de artes plásticas, transita por dimensões que só o leitor será capaz de definir.


Nota do autor:
Escrito por mim durante o ano de 2006 o texto acima está guardado na gaveta juntamente com tantos outros.
Quem sabe um dia seja editado!

NA REALIDADE

REVITALIZAÇÃO DO CAIS DO PORTO

A revitalização do cais do porto, em Porto Alegre, foi destaque nos noticiários durante o dia de hoje despertando, mais uma vez, o interesse dos gaúchos, ou pelo menos, das pessoas envolvidas com cultura e lazer de qualidade.

Das entrevistas, aquela concedida pelo prefeito Fogaça foi a mais importante.

Disse ele que não há infra-estrutura para implantação de qualquer projeto no cais e que as obras para a viabilização de empreendimentos naquela região são de custo elevado.

Ao mesmo tempo, a governadora salientou que a revitalização é muito significativa para o Estado e que todo o esforço será feito para que a obra saia do papel.


PAN DO RIO

O Pan do Rio tem sido destaque em todos os programas de rádio e televisão. O assunto “Pan” está nos painés de propaganda nas ruas das cidades, nas rodovias, camisetas e no meio esportivo, evidentemente.

Procurei saber quanto dinheiro foi investido em infra-estrura, obras e propaganda; constatei que são números surpreendentemente elevados.

Segundo os organizadores e o governo do Rio, assim como Brasília, os frutos que o Brasil colherá serão imensuráveis se considerarmos somente o poder de influência que o esporte exerce sobre a juventude brasileira.


COPA DO MUNDO NO BRASIL

É o mais novo sonho e objeto de desejo entre dirigentes e empresários da área do futebol e da mídia.

As cifras citadas e especuladas são de dar água-na-boca!


NA REALIDADE

O Estado Gaúcho está quebrado. Não há dinheiro para pagar a folha e fornecedores.

Como viabilizar a obra do cais? Hão de dizer: através da captação de dinheiro junto ao mercado investidor ou obtenção de recursos abundantes por meio de empréstimos bancários.

Certamente que uma obra que possibilite o contato da população com cultura e lazer de qualidade será importante e sempre bem-vinda.

Porém, exposições de obras de arte, recitais de violão e corais, cafeterias, ambientes agradáveis e de contemplação do Guaíba, bem como tardes de autógrafos não fazem parte das mais prementes necessidades de parte da população que não tem tempo nem dinheiro para livros ou telas pintadas.

Discurso demagógico? Depende da interpretação e da consciência de cada um de nós.

Então, que o Estado levante a verba necessária e aplique em educação, saúde e segurança, mas nas áreas deterioradas da Cidade, ou seja, em quase toda a cidade.

Na realidade, o Brasil queimou uma das etapas mais importante na formação do cidadão que é criar a base sólida de um povo oferecendo educação, saúde e segurança.

Na realidade, os estádios e ginásios do Pan estão recebendo um público específico de pessoas com poder aquisitivo capaz de pagar por um lazer caro e seletivo.

Na realidade, dentro da quadra, vemos atletas ex-sorveteiros, ex-feirantes, ex-carteiros e ex-moradores da periferia pobre e marginalizada. Muitos deles sem estudo e outros, com mais sorte, morando e treinando nos melhores clubes, academias e universidades fora do Brasil.

Na realidade, vultosos recursos serão gastos em projetos e avaliações para implantação da revitalização do cais; na realidade ninguém saberá quanto se gastou e quanto se ganhou com Pan; na realidade, a Copa do Mundo acontecerá no Brasil e a falta de educação, saúde e segurança continuarão fazendo parte do cardápio, apesar de os recursos existirem e seguirem sendo mal aplicados e mal explicados.

BIG GILSON - BLUES



O Abbey Road Bar de Novo Hamburgo teve a feliz idéia de apresentar ontem à noite o bluesman brasileiro Big Gilson e convidados.
Os músicos tocaram clássicos e canções próprias que fizeram parte da turnê recentemente encerrada pela Europa onde Big Gilson se apresentou em 42 shows durante os dois meses que por lá ficou.
O show ficou mais valorizado ainda por conta dos convidados: o gaúcho Fernando Noronha e Gaspo Harmônica e sua banda.

Big Gilson já dividiu o palco com mestres do blues como Budy Guy e B. B. KING.
Gaspo Harmônica já acompanhou músicos como Eddie C. Campbell, J. J. Jackson, Honeyboy Edwards e James Wheeler.

DE LIVROS E LEITURAS

Por Volnyr Santos em PLATÃO SEM METAFÍSICA E OUTRAS CRÔNICAS.

É interessante notar o quanto se fala de livros e de leituras. Mas é mais interessante (ainda) perceber o quão pouco isso significa em termos objetivos

LOBÃO



"Estou sentindo que estou numa nação que está se diluindo; há um desamor pela coisa pública", disse Lobão.
Frase dita pelo polêmico Lobão no aeroporto de Cumbica logo após saber do acidente de Congonhas. O avião em que ele viajava deveria pousar no mesmo horário do Airbus e teve que voar para Cumbica em função do desastre.

ABELARDO E IZMIR - Conto

Abelardo Antunes, ou melhor, Don Abelardo Antunes Morales; espanhol nascido há 65 anos na cidade de Valência, às margens do Mar Báltico.
Seus pais eram turcos que fugiram da pequena cidade de Izmir no decorrer de uma guerra civil provocada pela posse de terras. Durante a viagem de fuga a pequena família passou por vários paises até fixarem residência na Espanha. A cidade escolhida foi Valência.
O menino Abelardo, assim que atingiu os 15 anos e desanimado com o trabalho árduo auxiliando seus pais no comércio que possuíam, decidiu que iria mudar de ares e tentar a sorte do outro lado do Oceano Atlântico.
Pediu licença e embarcou para a América do Sul. O destino seria qualquer cidade de língua espanhola onde teria maiores facilidades de comunicação. Na bagagem ele carregava o dinheiro necessário para viver por dois meses, algumas mudas de roupa e a prática como atendente de peixaria.
Ele sabia escrever e ler a língua espanhola e um pouco de português que, por sinal, salvou-lhe a vida quando estava de passagem por Portugal. A polícia local prendeu-o ao confundi-lo com um homem que roubara um garrafão de Vinho do Porto poucos momentos antes do embarque. Aconteceu que um senhor largara as malas e o garrafão para conferir o bilhete de embarque. Aproveitando-se do descuido o ladrão, vestindo roupas muito parecidas com as que Abelardo usava, passou a mão no garrafão e correu em direção à cidade. A polícia foi avisada e foi em busca do larápio.
Abelardo aproximava-se do local onde o bilheteiro controlava o ingresso dos passageiros quando o chefe de polícia confundiu-o. O turquinho foi preso e quase levado à delegacia.
O policial não entendia a língua espanhola e Abelardo só foi liberado após explicar e provar, falando o pouco português que conhecia, afirmando não ter nada a ver com o tal garrafão de vinho.
Depois da confusão Abelardo embarcou no navio indo para camarote número 77. O conforto não era dos melhores, mas tinha cama, pia e um pequeno banheiro com vaso sanitário e chuveiro. A limpeza do que seria o seu refúgio durante os próximos dias deixava muito a desejar e um cheiro de urina e desinfetante pairava no ar quente da cabina.
O apito do enorme vapor avisou que chegara à hora da partida. Os relógios marcavam dezoito horas de um final de tarde quente do verão europeu.
Aquela deveria ser a primeira noite de descanso para Abelardo e, inesquecível! O calor e o mau cheiro não o incomodariam, visto que uma enorme canseira se apoderara do corpo franzino do adolescente.
Após comer sanduíche com pão, queijo, salame e beber café frio que trouxera para sua primeira alimentação a bordo, Abelardo passou a chave na porta da cabina e procurou repouso na cama úmida. Antes de apagar a luz fez uma breve vistoria e não localizou nenhuma barata ou outro inseto rastejante. Logo estava pronto para a noite de descanso.
Ao embalo das ondas, Abelardo adormeceu. Porém, dez minutos depois ele foi acordado por um zumbido no ouvido. Imediatamente ele associou o som ao de um pernilongo. Meio acordado passou a mão pela cabeça e voltou a dormir. Mais dez minutos e ele acordou com uma coceira na testa e, novamente, ouviu o zumbido do mosquitinho junto à cabeça.
Abelardo começou a impacientar-se. O fincudo estava perturbando demais o seu repouso. Então decidiu que já era hora de acabar com a festa do inseto. Teria que tomar algumas atitudes e a primeira delas seria cobrir-se todo só deixando os olhos descobertos, assim o mosquito não teria onde pousar. Mesmo com o calor muito intenso ele tomou a drástica ação.
Abelardo conseguiu pegar no sono, contudo, o zumbidinho irritante se fazia presente junto ao ouvido que, mesmo coberto pelo lençol, captava o som. Abelardo deliberou que ficaria com a orelha descoberta e, assim que o pernilongo o pousasse daria um tapa que faria do mosquito um ex-inseto voador.
O plano era perfeito. Então, descobriu a orelha e, em seguida, percebeu o conhecido som que, àquela hora, mais parecia o som de um trem! Nas duas primeiras tentativas Abelardo não teve sucesso, mas na terceira, ele esperou que o mosquito pousasse na orelha e, quando sentiu segurança, desferiu o tapa de cima para baixo que atingiu o inseto em cheio!

Abelardo ouviu o ruído das asinhas do pequeno inseto a debater-se. Uma coceirinha no ouvido acusou que o mosquito tinha sido atingido de forma que não iria mais poder alçar vôos; e aí, surgiu o problema: o pernilongo, ao debater-se, caiu para dentro do ouvido e ingressou pelo canal auditivo. Abelardo não mais ouvia o inseto, mas sentia-o como que se estivesse voando dentro da sua cabeça! Os cabelos se arrepiaram ao experimentar as asinhas a se debaterem dentro dele
- Mas como pode ter acontecido? O bicho está voando dentro de mim?
E estava mesmo. Abelardo provou até certo prazer quando o mosquitinho entrou pelo canal do ouvido.
Durante toda a semana seguinte ele teve que conviver com o mosquitinho dentro da sua cabeça. Às vezes, o pernilongo ia até a saída do canal do ouvido, olhava em volta e retornava para dentro da cabeça.
Abelardo acostumou-se com o zumbido e, as incursões de seu mais novo hóspede, antes desconfortáveis, passaram à normalidade. Na hora do banho, por exemplo, Abelardo tinha o cuidado de proteger a orelha contra os respingos de água porque Izmir poderia se afogar.

“Abelardo estava tão afeito ao mosquito, e vice-versa, que ele lhe deu um nome – Izmir – em homenagem à cidade natal de seus pais. Assim sendo, Abelardo conversava com Izmir durante o transcorrer do dia. É lógico que o mosquito não respondia até porque o pernilongo estava recém apredendo a conviver com um ser humano sem precisar sugá-lo em busca de alimento. Abelardo alimentava Izmir todas as noites com minúsculas gotículas de sangue fresco que ele recolhia de um corte mínimo que fizera na ponta do seu dedão do pé direito. É certo que o inseto adorava o cardápio!”.

Na manhã de um Domingo de inverno no hemisfério sul, o vapor chegou ao destino: Montevidéu, no Uruguai. Abelardo acordara bem cedo a fim de organizar-se para a chegada. Sacudiu levemente a cabeça para que Izmir acordasse e também ficasse pronto para o desembarque. Prontos subiram escadas até a parte superior do vapor.
Os dois companheiros aguardavam no deck o navio ancorar. Fazia muito frio e Izmir achou melhor “entrar”, pois o vento era gelado e ele poderia adoecer.
Não era inseto que suportasse clima frio e, na realidade, Izmir detestava temperaturas tão baixas. Para a sua sorte Abelardo era um bom menino e compreendia seu desconforto.
Por causa disso, Abelardo e Izmir decidiram mudar para um local onde o clima fosse mais humano e suportável. Permaneceram em Montevidéu por duas semanas e, padecendo com o frio, viajaram para o Brasil. Escolheram uma próspera cidade do interior do Paraná situada no extremo oeste daquele Estado. O clima era ideal para os dois companheiros. A temperatura média durante o ano era de trinta graus centígrados. Para eles estava ótimo. Sentiram-se muito à vontade.
Izmir então, achou que poderia dar umas fugidinhas. Sem pedir licença a Abelardo começou a sair durante o dia para fazer vôos de reconhecimento. Mais tarde, seguro iniciou-se em saídas noturnas.

“Izmir, apesar de bem alimentado, sempre tivera vontade de provar outros sabores. Abelardo tinha um bom sangue, porém, nada como variar o cardápio”.

Certa noite, depois de se certificar que Abelardo dormira, Izmir alçou-se em vôo noturno. Não pensava em se afastar muito porque se Abelardo acordasse poderia ficar preocupado com a ausência do companheiro pernilongo.
Izmir era mesmo um inseto de muita sorte! Logo na saída, já encontrou uma mulher que andava pelo corredor da pensão onde os dois moravam. Aproveitou-se do descuido da jovem, que tranqüilamente lia uma revista de fofocas, e pousou sobre o farto seio esquerdo da garota. Sugou-a com uma voracidade animalesca. Ao final sentiu-se envergonhado pela atitude. Percebeu que exagerara na dose quando precisou voar. Ele estava com excesso de peso! Não tinha como sair porque seria uma viagem suicida.
Nesses casos, Izmir tinha que aguardar alguns minutos até que o seu organismo absorvesse e digerisse um pouco do alimento.
Acomodou-se junto ao aconchegante e juvenil peito esquerdo, próximo à borda do sutiã e inativo, adormeceu.
Depois de uma hora aproximadamente Izmir acordou por causa de um súbito sacolejo.
O sutiã estava sendo retirado pela jovem e, bem a tempo, Izmir safou-se de parar dentro de um tanque cheio de água e sabão.
Constatou que, por estar mais leve, conseguiria voltar para casa.
Abelardo dormia o sono dos justos. Trabalhara durante todo o dia. Aliás, o serviço era desgastante. Assim que chegou à cidade empregou-se como gari no serviço público de varrição da cidade. Trabalhava oito horas por dia em dois turnos. Sob o sol escaldante andava pelas calçadas com um carrinho que pesava muito mais quando o turno terminava. Tinha uma hora para o almoço e descanso. Alimentava-se de sanduíches e pastéis que ele mesmo preparava na noite anterior. Um suco de frutas acompanhava o lanche.
Num dia muito quente, Abelardo preparava-se para o almoço. Estava trabalhando na praça principal, bem no centro da cidade. O movimento das pessoas indo e vindo era impressionante. Homens, mulheres, crianças, jovens e velhos andavam de um lado para o outro. Pareciam perdidos.
Abelardo notou que, mesmo sendo hora de almoço, os transeuntes não tinham onde fazer um lanche rápido. Naquele exato momento ele daria o passo inicial em direção daquilo que seria o mais importante comércio gastronômico do centro da cidade – nascia a Pastelaria Don Abelardo.
O começo foi num pequeno carrinho onde Abelardo fritava os pastéis que fazia em casa na noite anterior; mais adiante, alugou uma loja de esquina na qual tinha balcão, banquetas e mesas na calçada.
A “Don Abelardo Pastelaria” ficou famosa pela qualidade e o preço popular dos lanches.
Por conta das idas e vindas, Izmir foi esquecido por seu velho companheiro de navio. Abelardo não se preocupava mais com Izmir; se ele estava ou não dentro da sua cabeça; se tinha se alimentado ou mesmo se estivesse doente, Abelardo não se importava. Estava sempre ocupado com o novo negócio.
Izmir entrou em profunda depressão. Abandonado e esquecido, o pobre mosquito pensou em suicídio. Numa noite muito quente descansou sobre aquele seio esquerdo da menina da pensão disposto a sugar tanto sangue que, ao final, viesse a explodir.
Assim ele o fez! Entupido, quase não parava em pé. Muito desgostoso com a vida e desiludido com Abelardo chamou a atenção da jovem ao picá-la impetuosamente.
Ato contínuo, com a mão esquerda espalmada, ela apertou Izmir contra o seio!
Foi o fim! Tudo acabado! Izmir ainda teve um último instante de lucidez e desejou que Abelardo não ficasse sabendo de sua morte. O seu antigo companheiro do Velho Continente não poderia ficar nessa vida sentindo remorso pelo esquecimento.
Izmir sabia da sua condição de um mero inseto, mas não poderia ter sido abandonado por Abelardo. Em quantas ocasiões Izmir, pessoalmente, tratou de proteger seu companheiro quando outras muriçocas se aproximavam durante a noite? Izmir acordava ao ouvir o barulho dos invasores sedentos pelo sangue fresco do seu amigo e, imediatamente, envolvia-se numa verdadeira batalha aérea no sentido de afastar os penetras.
Às vezes, ferido, Izmir voltava para dentro da cabeça de Abelardo sem fazer barulho algum para não atrapalhar o sono do amigo; mas permanecia vigilante durante quase todo o tempo, pois os inimigos poderiam voltar.
Abelardo desprezara-o! Em seguida Izmir bateu as asinhas pela última vez. Esvaiu-se em sangue. Exaurido, morreu esmagado entre a mão da jovem e o farto seio.

Abelardo, filho de turcos, nascido em Valência, agora conhecido comerciante da área da gastronomia, seria homenageado pela comunidade da cidade que escolhera para viver. Aos 65 anos de idade Don Abelardo foi convidado para subir à tribuna do auditório da Câmara de Vereadores a fim de receber o diploma de “Cidadão Honorário”. O honroso título era anualmente concedido às pessoas estrangeiras que haviam colaborado para o engrandecimento da cidade.

Don Abelardo, depois de tantos anos morando no Brasil incorporara alguns hábitos dos brasileiros. Tinha muito bom relacionamento na cidade. Dentre seus amigos encontravam-se vereadores e assessores de políticos.
Por vias nem um pouco honestas, Don Abelardo vencera licitação para o fornecimento de pastéis para toda a rede de escolas do município. Para tanto, distribuiu propina aos membros do grupo que analisou as propostas; o dinheiro, Abelardo colocava em um saco de papel pardo. Depois, um dos componentes da comissão de licitação se encarregava de repassar os valores para os outros corruptos. Abelardo ganhou muito dinheiro com a safadeza.

Na tribuna, ele agradeceu ter sido lembrado e salientou que certamente haveria gente mais importante que ele para receber tão honroso diploma.
Destacou sua origem humilde e relatou os sacrifícios que passara durante a viagem de navio desde o embarque em Portugal.
E foi durante o emocionado discurso que Abelardo, subitamente, voltou a lembrar de seu velho companheiro Izmir. Um pouco atordoado deu-se conta que esquecera de citar o nome do mosquito amigo. Como não poderia explicar para os ouvintes a amizade com um inseto e que o bichinho morava dentro da sua cabeça, limitou-se a fazer uma breve referência ao parceiro, descrevendo-o como “um antigo companheiro de viagem”.
Um zumbidinho característico rondou o ouvido de Abelardo provocando-lhe um sorriso que, para os expectadores, nada queria dizer. Era o som de um mosquito e, sem dúvida, seria Izmir – concluiu o turco. Abelardo ainda conseguiu perceber quando o inseto pousou no seu pescoço picando-o. Seria um beijo de felicitações? - pensou Don Abelardo - e estranhou, pois Izmir havia lhe picado somente uma vez na vida e a forma como fora abordado por aquele pernilongo realmente não lhe era familiar.
Mesmo assim mentalmente agradeceu o beijo que recebera do pequeno voador e seguiu no seu inflamado discurso.
Uma semana depois Abelardo foi internado no hospital municipal com febre alta e forte hemorragia. Ele contraíra alguma doença tropical.
Durante noites e dias Don Abelardo pensava em Izmir. Conclui que aquele beijo não fora de seu velho amigo. Onde estaria Izmir?
E morreu!

BRASIL DO FUTURO




Em 1976, eu então estudante de Arquitetura estagiando num grande escritório da área, em Porto Alegre, fui demitido por conta de uma forte crise no setor da construção civil. Junto comigo saíram mais dez colegas. Éramos competentes e trabalhávamos árduo. Estávamos desempregados.
No início foi uma tragédia! Afinal perdíamos a tão desejada aparente estabilidade no emprego e, por fim, um bom salário.

Pois foi a primeira grande experiência positiva profissional. Dois ou três dias se foram e eu já estava com meu escritório próprio prestando serviço como autônomo; nunca mais tive carteira assinada!
Com o resultado do trabalho a maioria dos estudantes conseguia pagar as mensalidades da faculdade sem maiores dificuldades, até porque as linhas de crédito oferecidas pelo banco eram acessíveis.

Vivíamos com pouco dinheiro; andávamos a pé e não dependíamos de pai e de mãe, cuja satisfação era nos dar o conforto da casa.
Além disso, nossa auto-estima estava em alta porque o Brasil era o país do futuro onde tudo de bom aconteceria. Seria concluir um dos qualificados cursos técnicos profissionalizantes e trabalhar corretamente. Essa fórmula foi verdadeira por um tempo. Mais adiante tudo mudaria.

Hoje eu vejo jovens despreparados, desempregados e desocupados. Eles não têm acesso ao crédito educativo porque este é caro; cursos técnicos são oferecidos por escolas que surgem da noite para o dia e que, na verdade, buscam o lucro fácil e rápido.
Instituições de ensino se transformam em faculdades que logo ali adquirem o título de centros universitários e com calculado esforço, em pouco tempo, estampam letreiros luminosos “vendendo ensino superior” – de qualidade duvidosa. Tudo acontece com aval dos órgãos governamentais.

Hoje andamos de carro porque o transporte coletivo é ruim e inseguro; à noite ficamos em casa acordados até que nossos filhos coloquem a chave na porta ao voltarem de encontros com os amigos ou das faculdades, quando conseguem cursar algumas poucas disciplinas.

Faltam referências positivas para os nossos jovens; não temos líderes na política e na estrutura administrativa do País; faltam referências musicais e, na maioria das vezes, ouvimos musicas de péssima qualidade com letras que não dizem nada; a mídia cria escritores-celebridades colocando em segundo plano os talentosos; faltam ética, educação e vergonha na cara, porque elegemos nossos representantes através de avaliações pessoais superficiais.

Ao contrário do que ocorreu em 76, hoje não existe crise na construção civil, mas contraditoriamente, a população não tem renda familiar suficiente para comprar a casa própria, mas compra o carro que custa pouco menos da metade do valor de um imóvel popular. A crise só não acontece porque uma faixa da sociedade ainda consegue contrair dívidas que são diluídas na hora da compra por conta da existência do escambo, mais um pouco de dinheiro e longos parcelamentos. Enquanto isso a grande maioria da população pobre não tem onde morar e os programas habitacionais são poucos e mal gerenciados.

Positivamente, a relação entre o empregador e o trabalhador adapta-se paulatinamente à realidade, na qual o trabalho é remunerado pela produção do serviço prestado que é executado de forma terceirizada. Para mim uma evolução.

Nesses 31 anos transcorridos desde 76 continuamos esperando que o futuro aconteça.
Talvez, pudéssemos começar demitindo uns e outros incompetentes que estão ocupando cargos da administração pública e interessados no salário, aposentadorias e outras vantagens.
Quem sabe daqui a 31 anos o futuro chegue para o Brasil.