terça-feira, maio 26, 2009

HELMUT E O FUCA

Pode parecer estranho alguém ser chamado de Helmut; não aqui em Novo Hamburgo, cidade com fortes raízes encravadas na cultura alemã disseminada por colonos que escolheram o Vale dos Sinos como berço.
Helga, a mulher de Helmut, mais Frederico, João e Margarete, filhos legítimos do casal, cujo sobrenome é Bendler, insistem em manter hábitos dos ancestrais alemães.
Eles casaram jovens. Ela 16 e ele 20. Foi na igreja evangélica de Picada Hartz, hoje, Nova Hartz.
Em casa - e quando juntos trabalham com venda dos produtos produzidos por eles mesmos no próprio sítio – se comunicam falando em alemão.
O sítio fica na área rural. Gastam de 45 a 50 minutos de Kombi até chegarem ao centro da cidade onde acontece regularmente a Feira do Produtor Rural.
Numa segunda-feira – dia de Feira – os Bendler chegaram às 5 da manhã, um pouco depois da hora. A Kombi teve um pneu furado. Helmut e Frederico, 18 anos, o mais velho dos três descendentes, teve que providenciar a troca sem antes retirar do veículo as caixas que continham abóboras de pescoço, morangas, batatas e aquelas caixas mais pesadas.
Frederico bem que gostava daquela rotina, mas já demonstrava uma pontinha de curiosidade pela vida noturna da cidade. As festas da lingüiça, da batata, os kerbs e os bailes do chope que aconteciam na vila em que residiam já não lhe provocavam tanto ânimo. Queria experimentar novos caminhos. Divagava, enquanto trocava aquele maldito pneu daquela miserável Kombi 66-Luxo, - pensava o rapaz.
Helmut não parava de lhe dar ordens. Sempre foi assim, um mandão germânico, rude e orgulhoso.
Pneu trocado e com as caixas novamente acomodadas dentro do veículo seguiram viagem até estacionarem no local determinado ao longo do meio-fio da Rua 5 de abril, no centro de Novo Hamburgo.
Mais uma vez Frederico foi encarregado por Helmut de montar os cavaletes que serviriam como apoios às tábuas de madeira onde seriam expostas as cucas, pães, ovos, queijos, biscoitos amanteigados e frutas. Helga tratava de pendurar peças de tricô e crochê que ela mesma produzira durante as poucas horas de folga sentada na sala do chalé de madeira do sítio. Ela também não permitia que os produtos fossem colocados diretamente sobre a madeira, pois pensava que se os alimentos, principalmente as cucas e as tortas de maçã, estivessem sobre a toalha de plástico que ela mesma tratava de colocar sobre as tábuas, os Bendler teriam melhores resultados nas vendas.
Enquanto isso, João que tinha 13 anos e Margarete com 10 para 11 anos, varriam a rua e colocavam os papelões com os preços dos produtos.
A menina chamava a atenção de todos. O vestido cor-de-rosa rodado, sapato branco de boneca e os cabelos cacheados presos por uma fita branca de cetim faziam o maior sucesso, principalmente entre as pessoas que por ali passariam tão logo a guarda municipal liberasse o acesso.
Helga sabia que aquele encanto de menina atraía compradores. Por isso Margarete era orientada para que caminhasse, de um lado para outro, em frente à banca dos Bendler.
Porém, Helmut não aprovava a estratégia adotada por sua companheira, pois dizia que Margarete tinha que ficar atrás da bancada cuidando dos restos de folhas das beterrabas, galhos das cenouras e de uma ou outra fruta que estivesse podre colocando tudo aquilo no latão de lixo, ao lado da Kombi. Ele ainda pensava mais; dizia que não necessitava de ajuda para vender seus produtos, pois quem quisesse comprar que comprasse! Afinal “todos” sabiam que era a melhor banca da Feira, porque eram produtos produzidos pelas mãos de um genuíno descendente de alemães e, por isso, eram os melhores da região.

Helmut declarava-se o melhor produtor do Vale, assim como afirmava que nenhuma
fábrica de automóveis fabricou ou fabricaria veículos como os da Volkswagen,
muito menos utilitários, pois a Kombi seria a melhor camioneta já produzida no
Mundo e em todos os tempos. Imbatível! Era invenção dos alemães!
O pastor Rubens, de Picada Hatz, várias vezes pediu que Helmut contivesse os
ânimos mantendo os limites de expressão verbal, pois estava sendo, até certo
ponto, discriminativo
.

Helmut e Helga não tinham mais tempo para avaliações de mercado. A Feira estava abrindo.
Desta forma, Margarete passou o dia entre os afagos de senhoras e senhores pelos cachos loiros e muitos e repetidos elogios.
Helga, orgulhosa, contava o dinheiro que ganhava com a ajuda importante da filha.
Neste meio tempo João concentrava-se na vitrine da loja de material esportivo que ficava logo adiante. O menino era fascinado por futebol!

Perto do meio-dia Helga percebeu que Helmut sentara à sombra de uma das árvores do outro lado da rua. Estranhou, pois ele não se entregava a esses momentos de relaxamento. Ela então se aproximou do marido levando o copo com água fresca. Helmut suava bastante para que ela se preocupasse com o marido.
- Você está se sentindo bem, Helmut? – perguntou desconfiada.
- Estou bem. Não tenho nada, mulher. Volte para a banca.
- Eu te conheço, alemão cabeça-dura! Bebe esta água e me fale o que tu sentes?
Helmut se levantou rápido como um garoto e, deixando para trás sua mulher com o copo na mão, foi para a banca atender a um cliente que escolhia batatas.
A mulher, que já vira seu marido ter reações semelhantes nas últimas semanas, resmungou alguma coisa em alemão e voltou para trás da bancada. Mas seguiu observando o comportamento de Helmut.
As cucas assadas no forno de barro do sítio dos Bendler, sem dúvida, eram as melhores da Feira. Logo se esgotaram.
Margarete seguia caminhando de um lado para o outro; João permanecia com os olhos fixados na bola de futebol da loja esportiva; Frederico empacotava produtos e cobrava os clientes; Helga vendia seus crochês; as pessoas iam e viam com sacolas e carrinhos; Helmut precisou ir até a farmácia da esquina, do outro lado da avenida, para comprar algum remédio; sentia frio e enjôo.
Sem Helga saber falou para Frederico que já voltaria.
Quando retornava da farmácia, após ter ingerido duas drágeas de um remédio receitado pelo balconista e sentindo-se zonzo, não percebeu que o sinal verde indicava que o fluxo era preferência dos veículos e não dos pedestres.
Ao atravessar e já no meio da avenida aconteceu o desastre!
Todos em volta ouviram a freada de um veículo que provocou a correria das pessoas em direção à avenida. Frederico foi um dos primeiros a chegar. Lá estava seu pai estirado sobre o asfalto quente.
Frederico ajoelhou-se e segurou carinhosamente a cabeça do pai que agora balbuciava palavras ora de dor ora de ordem.
Frederico pediu que ele não falasse nada, que tudo iria dar certo. Que a ambulância já estava a caminho.
Mas Helmut, germânico, teutônico e rude não se entregaria assim, simplesmente.
Mandou Frederico voltar para a barraca e ficar com a mãe; ordenou que, amanhã, o milho fosse colhido e que Frederico não deixasse de ordenhar as vacas antes das 4 da manhã, pois o caminhão da cooperativa passaria pelo sítio às 6; que Helga comprasse a bola de futebol para João, pois sábado era o aniversário do menino; que Margarete saísse da frente da banca e, por fim, queria saber quem o havia atropelado.
O motorista do veículo se aproximou, porém estava muito assustado com a cena.
Helmut teve forças para puxar o braço do homem e perguntou ofegante:
- Você é o motorista?
- Sim, senhor, - disse o homem.
- Você é alemão? – perguntou Helmut em alemão.
- Sim.
- Qual o seu nome?
- Adolf, senhor, - respondeu o homem aturdido.
- Eu deveria lhe dar um bom soco nesta cara vermelha, Adolf, mas não vou...
Frederico e Adolf se entreolharam sem entender nada!
- Eu poderia morrer feliz, seu miserável! – afirmou Helmut falando com dificuldade entre os dentes cerrados, - perguntando:
- De que ano é o seu carro?
- É um Fuca 1959, alemão, importado pelo meu avô, - disse Adolf.
- Um Fuca? Um verdadeiro Volkswagen? – Helmut seguiu dizendo: - você me pegou muito rápido, Adolf, mas eu desconfiei que fosse um Fuca e torci para que fosse mesmo! Danke, - agradeceu em alemão.
Helmut olhou para Frederico, segurou a mão do filho, sorriu e voltou para a barraca!







quarta-feira, maio 13, 2009

MANTRA


Um dia desses sei que vou compreender
O que dizem as cartas ciganas
Saberei porque caçam anjos, querubins
Arrastam, matam, odeiam com gana

Viajam na droga em templos escuros
Matam a fome com a ira pagã
Do fanatismo que cega em seitas noturnas
Com corpo e cara de leviatã

Mantra, Mantra, Mantra
Eu quero Mantra...

Coisas do azul
Pedaços de céu
Escrevo aqui mesmo
Meu sonho meu mel


(Para a BBLUES - Letra e música: George Arrienti)