terça-feira, setembro 22, 2009

DAS LEMBRANÇAS

A fumaça das folhas e galhos queimando bem ali na frente, no jardim da casa, levou-a ao devaneio.
Sempre assim: a fumaça e logo o olhar na direção do lusco-fusco procurando ver o campanário da igreja, que da varanda ela tentava entre as copas das casuarinas embaladas pelo vento.
Se primavera, a quimera se apresentaria mais intensa; se final de tarde, a fumaça se misturaria com lembranças e pitadas de nostalgia e logo, viriam as lágrimas... Boas lágrimas!
Até que escurecia.
Permaneceria ali, pensativa, até que fosse buscada, um pouco antes da hora do jantar.
Sempre assim!
O toque delicado da irmã, no ombro dela, junto com a troca carinhosa de olhares, era o sinal que dava fim à melancolia. Logo o sacolejar da cadeira de rodas, seu esteio desde oito anos atrás, lembraria, hoje sem mágoas, que era dependente. Nem tanto assim, sentenciava!
Sem desgostos ela seguia conduzida até a sala de jantar.
Das lembranças, só as mais belas ficaram; as más a fumaça já levara, há muito, com o vento.

sexta-feira, setembro 11, 2009

AOS HIPÓCOPROS

Não tenho como fazer-me de avestruz enfiando a cabeça em buraco, pois acordo e durmo contabilizando informações negativas tendo eu que escolher raciocinar e opinar em vez de ser mais um hipócrita que não adota posição e se acomoda no silêncio dos fracos para que não venha a ser rotulado de pessimista num tempo que cobra status e resultados, ganhos e vantagens, dinheiro e conquistas e postura de vitorioso quando nem sempre esta seja uma verdade evidente.

O pessimista se entrega; o hipócrita se esconde.

Assim é que assaltam nosso bolso a procura de impostos, corrompem e trocam a própria decência por propinas, instalam comissões meramente políticas, sentenciam em cima de leis ultrapassadas e nos roubam a dignidade em cada discurso mentiroso, em cada roubo nas esquinas das ruas imundas, em cada vez que temos que transitar por estradas destruídas e entupidas de caminhões, em cada trem urbano e ônibus dominados por bandidos que monitoram - sem necessitarem de câmeras e pardais - as nossas vidas.

Tudo é assim; é real; é verdadeiro!

E não posso deixar de ver e ouvir a mídia voraz que se apoia na miséria controlada e historicamente mal resolvida; na renda na mão de poucos; vejo e escuto a mídia que se detém na imagem da lágrima escorrendo no rosto da mãe que perdeu o filho para o crack, para as drogas, para a prostituição; só a imagem interessa!
A mídia que coleta milhões de reais em nome de crianças abandonadas é a mesma que fala do pecado original, do inferno, dos dízimos devidos; é a mesma que divulga maciçamente a promiscuidade e que vende cultura popular de pouca qualidade apoiada por incentivos com sobras; é a mesma mídia que não cobra a existência de leis de incentivos para compra de equipamentos hospitalares e para a saúde pública, mas que dá apoio às mais rasteiras manifestações culturais dizendo ser arte popular que, afinal, serve para cegar os olhos de pessoas sem recursos que se deixam comprar por esmolas escamoteadas.

E assim e por tudo isso eu procuro estar otimista, pois não teria sentido usar meus dias entre resmungos e irritações e ainda ter que conviver com os meus próprios pecados.

segunda-feira, setembro 07, 2009

MUNDO DA LUA

Eu vivo no mundo da lua
Tu vives no mundo dos tolos
Tolos não vivem na lua
Na lua não vivem os bobos

Eu vivo no mundo da lua
Na lua é claro; é limpo
Pessoas acham que a lua é fria, branca e insegura
Não sabem que o mundo da lua é melhor que o mundo da rua

Na lua tem noite e tem dia, crianças, mulheres e tias
São todas mais altas e fortes do que os homens que moram na rua

Os cantos das ruas da lua são poucos e não tem ninguém
As coisas do mundo da lua são coisas que são de alguém
Sem pedir, ninguém pega, não rouba e não aceita vintém

Os bichos que moram na lua têm nome de homens da rua
As ruas da lua são longas são retas e quase sem curvas
Os cães não latem na lua
Os gatos sossegam na lua

A chuva no mundo da lua não é como a chuva das ruas
O sol do mundo da rua queima a pele do homem da rua
A brisa do mundo da lua não é como o vento do mundo da rua

A lua é curva e nua
A rua é suja e escura
A lua não é do homem da rua; a lua é do mendigo da rua
A lua ilumina a rua do homem que sonha com o mundo da lua

MENDIGO DA LUA

Eu vivo no mundo da lua
Tu vives no mundo dos tolos
Tolos não vivem na lua
Na lua não vivem os bobos

Eu vivo no mundo da lua
Lá é claro; é limpo.

Pessoas acham que a lua é fria, branca e insegura
Não sabem que o mundo da lua é melhor que o mundo da rua
Na lua tem noite e tem dia, crianças, mulheres e tias
São todas mais altas e fortes do que os homens que moram na rua

Os cantos das ruas da lua são poucos e não tem ninguém
As coisas do mundo da lua são coisas que são de alguém
Sem pedir, ninguém pega, não rouba e não aceita vintém

Os bichos que moram na lua têm nome de homens da rua
As ruas da lua são longas são retas e quase sem curvas

Os cães não latem na lua.
Os gatos sossegam na lua.

A chuva no mundo da lua não é como a chuva das ruas
O sol do mundo da rua queima a pele do homem da rua
A brisa do mundo da lua não é como o vento do mundo da rua

A lua é curva e nua
A rua é suja e escura
A lua não é do homem da rua; a lua é do mendigo da rua

A lua ilumina a rua do homem que sonha com o mundo da lua