Alécio
Mullah confessou, de pronto, que não
suportava mais conviver com suas próprias e massacrantes incertezas.
(A psiquiatra ouvia)
Acordo no meio da madrugada, contava ele, sonhando sempre com aqueles malditos desejos. Preciso dar um chega pra lá nessas
merdas, disse ele com a fé de um padre.
(A psiquiatra ouvia e anotava).
Instantes antes, Alécio aguardava na sala de espera folheando uma
revista do mês retrasado e do ano passado. Era de moda. Mulheres lindas
apareciam em poses no que era uma antiga estação de trens. Bastou! Um calor de
senhora subiu-lhe pelo pescoço.
Tudo de novo; pensou em voz baixa, jogando a revista no cesto de vime
ao lado da poltrona. Tudo de novo; era só no que pensava. Suava, jogado no
encosto.
Quando a psiquiatra convidou-o para entrar, ele caminhou cambaleando
de tanto desconforto!
(A psiquiatra observava).
Sentaram-se. Ele confessou que tinha muito gosto por mulheres com
pernas longas e que adorava ouvir o apito dos trens, mas definitivamente,
detestava o apelido que lhe deram ainda na adolescência: Mula. Disse tudo sem
respirar e antes de qualquer pergunta dela.
Os colegas de escola me apelidaram de Mula! Pode isso, doutora? Mula,
falou Alécio escondendo o rosto entre as mãos quase chorando. Por causa dessa
alcunha, eles dizem que sou um aleijado; Mula, Mula, repetia Alécio num
desabafo quase infantil.
(A psiquiatra ficou curiosa, enquanto
imaginava a coisa).
Alécio explicou que não era “Mula”, mas “Mullah”! Tem uma enorme
diferença, doutora, esbravejou repetindo: “Mullah”, você percebe?
A psiquiatra desatenta continuava confusa imaginando a enormidade do
drama, agora pessoal.
O silêncio da desatenção teria sido interrompido pelo apito da buzina
da escavadeira que fazia serviços de manutenção no calçamento da rua em frente
à clínica. Mas, Andressa, a psiquiatra, permanecia estática olhando para o chão;
na verdade para o nada. Alécio, de cócoras em frente dela, preocupou-se e perguntou se tudo estava bem ou
se ele poderia fazer algo para ajudá-la.
Foi quando Andressa investiu
sobre ele empunhando um estilete ao mesmo tempo em que gritava frases que
Alécio pode deduzir serem de ódio por um amante que a teria abusado em tempos
passados.
Alécio foi empurrado e caiu. Mesmo estonteado com a violência da
mulher não pode deixar de perceber as longas pernas de Andressa, as mesmas
longas pernas que o atordoaram até o próximo segundo, quando recebeu o golpe
que o deixou mutilado.