
Tinha como companheiro o vira-lata. Era dócil.
“Doutor”, pedinte que freqüentava as escadarias da Igreja São Pedro, no bairro Floresta, em Porto Alegre acordava quando o padre abria a enorme porta de madeira maciça e os sinos tocavam chamando fiéis para a primeira missa. “Doutor” olhava para o campanário até a última badalada. Com a autorização do padre acomodava-se próximo à porta e pedia qualquer ajuda enquanto catava piolhos entre os cabelos desgrenhados. Como “Dom Pedro”, era dócil e inofensivo. Diziam que era médico e que, ao ser abandonado pela esposa, caiu em depressão e enlouqueceu. O maltrapilho teria filhos e filhas.
“Vassourinha” era varredor de rua. Durante o dia ele empurrava o carrinho de lixo que tinha enormes rodas de madeira. A vassoura era feita com galhos secos dos cinamomos que ele mesmo recolhia e amarrava com arames. Eternamente embriagado balbuciava palavras sem sentido, desconexas e que faziam a alegria da piazada da rua. Mas “Vassourinha” não se incomodava e seguia arrastando a carrocinha vazia rua acima.
“Fernandão” lavava carros na loja de veículos da esquina. Bebia depois do expediente. Sentado no cordão da calçada pedia para jogar bola com a gurizada. Porém, ele não conseguia se levantar. Bem que tentava, mas caia e rolava no paralelepípedo. Daí não parava mais de alternar riso e choro até que dormisse bêbado.
Chamava-nos de “burguesinhos” que para nós, moleques, poderia ser um elogio ou uma ofensa; tanto fazia! Assim, convivíamos em paz.
Por serem dóceis e inofensivos – apesar de mendigos e alcoólatras – eram “bem-aceitos” no bairro. As carolas colocavam algumas moedas nas caixinhas de sapato à porta da Casa de Deus. Certamente que o Senhor anotaria no caderninho pessoal de cada uma delas que, aquela esmola, ajudaria na hora do julgamento final.
O dono do Simca Chambord "permitia", aos sábados, que “Fernandão” lavasse o carro em troca de um prato de comida. Dinheiro nunca! Pois o miserável compraria doses de conhaque e mais conhaque.
O tempo passou deixando para trás a docilidade e a inocência de todos nós.
A miséria aumentou trazendo junto com ela a agressividade geral. Alguns mendigos se profissionalizaram. Compram eletrodomésticos, montam casa, pagam contas e fogem da polícia como acontece em Uberlândia.
Vivemos acuados vítimas de predadores e da nossa consciência que nos julga e nos condena por negar uma moeda ao mendigo da esquina.
Nota sobre a imagem: Mendigo - Aquarela. Autor: Manolo Jiménez
Violas afinadas, George! Abração. Anônimo, pero no mucho. Jerônimo.
ResponderExcluirAfinadas!
ResponderExcluirAbraço.