segunda-feira, agosto 13, 2012

AGOSTO/2012     http://www.fundacaoecarta.org.br/musica/musical.asp 

18/08 | 18h
Retratos do Tempo, com a banda Jazzueira

banda Jazzueira| Foto: Foto: BachO show é o álbum da memória musical da trajetória dos músicos da Jazzueira. São fragmentos de influências musicais dos componentes da banda, estampadas nas letras, harmonias e improvisos jazzísticos sobre a raiz do blues, comum a todos os integrantes da banda. Na estrada desde 2009, a banda Jazzueira apresenta repertório completamente autoral com composições em português. Fluindo no palco com espontaneidade lançam os elementos do improviso com saxofone e flauta transversal em sonoridade muito particular. Com uma apresentação contagiante, estes senhores músicos divertem a platéia celebrando a alegria de estar na estrada reforçando que nunca é tarde para sonhar e manifestar arte. Formada pelos músicos Uncle George (voz e guitarra), Nico Sebolt (flauta transversal e saxofone), Maurinho (contrabaixo) e Foguinho (bateria), a banda apresenta canções que contam histórias de amores, amizades, tristezas, parcerias boêmias e aventuras.

GEORGE ARRIENTI (Uncle George) - Compositor, vocalista e guitarrista. Como vocalista da Jazzueira destaca-se pelo timbre marcante e expressivo nas suas interpretações performáticas. Iniciou sua trajetória musical nos festivais estudantis da década de 70 que aconteciam no auditório Araujo Viana em Porto Alegre. É o compositor das canções da banda observando a importância de usar a língua portuguesa sobre a trilha do blues e jazz. Integrou a banda de blues BBlues.

MAURO SARMENTO – Iniciou-se na música em 1978 estudando flauta doce e violão popular. Em 1983 integrou a banda gospel Videira como contrabaixista. Nos anos 90 integrou o grupo folclórico Caburé executando repertório latino-americano e gaúcho. Atuou como arranjador e instrumentista no primeiro disco da banda Os The Dharma Lovers em 2005. Atuou como arranjador e instrumentista na banda BBlues. Desde 2009 entregou-se ao blues e o jazz da banda Jazzueira.

NICO SEBOLT – Co-fundador da banda instrumental Tocaia em parceria com Geraldo Fisher, Luis Ortiz e Claudio Nilsom. Integrou e gravou com grupos, como Unamerica e Café Nice. Acompanhou Adriana Marques, Arthur de Faria, Talo Pereira e Silvana Cruz. Integrou a banda Fussura Jazz Band nos anos 90. Atua como instrumentista, compositor e professor de flauta e sax na região metropolitana.Sua principal característica como músico da Jazzueira é a improvisação. 

RENATO RANZOLIN – Carioca naturalizado gaúcho, iniciou sua carreira profissional em 1960, como baterista, compositor e arranjador do conjunto Claudio e os Gold Fingers. Tocou em grandes bandas de baile como, Apache, Musical Porto Alegre, Os Diamantes, Musical Pepe Show. Acompanhou Elis Regina no projeto Trem Azul, bem como turnês de Cauby Peixoto, Martinho da Vila, Arthur de Farias, Mariza Rotemberg, Adriana Marques e Simone Rasslan. Atualmente dedica-se ao trabalho de blues e jazz da banda Jazzueira. 

sábado, agosto 11, 2012


LISCA - o domador

         Julho ou agosto. Fazia muito frio ao pé da Serra do Caverá. O vento pampeano não encontrava poeira alguma para levantar. A terra úmida deixava a estrada  levemente embarrada e escorregadia. Do mata-burro até a sede  da Estância Santa Leonida, Lisca levava, a pezito, um pouco mais de um quarto-de-hora. Bota de cano alto, poncho surrado, uma boina de lã e a velha mala de garupa, que agora descansava sobre seu ombro direito. O lado esquerdo do negro Lisca era mais arriado que o outro. A mala escorregava e caía..
            De tantas quedas sofridas, o negro já havia quebrado quase todos os ossos do corpo. Mas, ainda assim era forte como o redomão que, quando avistava o peão domador ponteando na coxilha, resmungava entre corcoveios e relinchos.
          Atado no palanque e levando uma sova atrás da outra, entre gritos de “te-acalma-redomão”, Lisca suava para dominar o animal. O crioulo então, desatou as rédeas do palanque, encilhou o maltratado cavalo, montou-o e riscaram em direção à taipa, que era rodeada por corticeiras. E foi numa delas que o corcel deu de cabeça, furioso que estava pelas surras que tinha levado do negro. Logo sangrou pelo corte provocado em consequência do esbarro cometido. O tronco arrancou-lhe um pedaço do couro rosilho.
             Próximo dali, embaixo de uma figueira centenária, Lisca derrubou o seu amigo ferido, algemou-lhe as patas com tiras de couro e iniciou a cirurgia. Costurou a testa do animal depois de passar um “splay” - como Lisca falava - para amenizar a dor do bicho. Com o joelho no pescoço do cavalo,  examinou o tordilho.    Lisca, então, o batizou: - Ele vai se chamar Remendo, o Redomão.
             Anoiteceu. Depois de tomar uns mates com os companheiros de lida e lasquear a paleta de ovelha aquecida no fogo de chão, Lisca pediu licença e saiu do recanto onde proseavam seus amigos.
        Pegou uns pelegos, o poncho, a mala de garupa e foi para baixo da figueira. A cachorrada saiu atrás. Recostou-se no tronco, fez um palheiro e descansou sua adaga bem ao lado para um causo de emergência. Acendeu o cigarro, puxou uma daquelas longas tragadas, olhou para o nada e soltou devagar a fumaça.
           O frio e o vento não lhe incomodavam. Sentiu-se até muito bem. O frio,  acalmava-o;  o vento trazia o cheiro da terra e do campo. Quanto mais forte o vento soprava, mais claro ele ouvia o barulho dos quero-queros e siriemas cuidando da  noite.
       O som de uma oito-baixos vinha do galpão, misturado às risadas da peonada ouriçada pelos tragos que bebiam. A guampa rolava de mão em mão, quase discreta.
          Lisca se perdeu em pensamentos no meio da fumaça de seu palheiro. Não era dado a longas conversas, a não ser consigo mesmo. Hoje o negro completava 52 anos de vida e 30 de doma.
         Durante muito tempo Lisca levou uma vida nômade, “gáucha” de verdade! De estância em estância na época da esquila, e de invernada em invernada, domando cavalos e éguas pelas terras dos doutores patrões. Era seu aniversário e nada de churrascada, nada de guampas encharcadas de canha, nada de mulheres.
         Na sua lembrança surgia a imagem de sua mãe. De certo que “Dona Lilica” estaria preparando a janta na sede da Estância do Paço, bem longe dali. De seu pai veio-lhe a figura de um negro com braços tão fortes que seria capaz de derrubar um sobreano com um único tapa.
           Mal e mal conviveu com seu pai. O “Negro Valdo”, como era chamado, morreu depois de ser picado por uma cruzeira quando percorria o campo, numa noite quente de verão, atrás de ladrões de gado. Seu pai não resistiu e morreu quando Lisca tinha 10 anos. Aos 12 saiu para a lida e, de verão em verão, visitava Dona Lilica.
         Uma dor forte na perna esquerda fez o negro Lisca interromper seus pensamentos. A dor era sua velha conhecida. Foi de um tombo que o fez “cair no chão”. O osso grande da perna se quebrou em duas partes. A ponta de um deles rasgou o couro e ficou pra fora. O sangue jorrava pra todo lado.
          Na época da quebradeira Lisca domava cavalos em uma estância que ficava do lado de lá da fronteira. O campo dos uruguaios ficava longe de tudo. Não havia recurso. O único disponível, na hora da fratura vinha de uma parteira que entalou a perna do negro Lisca com pedaços de lenha usadas para aquecer as estufas e salamandras.
Lisca se curou. “Ficou mal juntado”, explicava o negro.
           Aos 52,  Lisca fazia um balanço de sua vida. Sabia que era um dos melhores domadores da fronteira. Havia domado “uns quantos” cavalos e éguas. Nunca fizera as contas e, quando um ou outro gaúcho lhe perguntava quanto tinha juntado de dinheiro, Lisca desconversava e bebia mais um gole. Mas quando lhe faziam um elogio, o negro ficava mais feliz que cusco em churrascada domingueira. Aí, contava daquela doma e do outro tombo e da égua que lhe quebrou a perna, e mostrava a cicatriz e o calombo que aparecia na canela.
         Nessa noite no entanto, Lisca estava meio malito. Sentiu-se triste, confuso, sem explicação. Foi até o galpão, deu de mão na primeira guampa de canha que avistou e voltou para sua figueira. Um ovelheiro havia deitado sobre seus pelegos. No primeiro momento, Lisca teve vontade de correr o laço no guaipeca, só que hoje, Lisca estava diferente. Sentou-se ao lado do Peludo, passou a mão pela cabeça do cusco e concluiu que ali estava um companheiro fiel.
            A oito-baixos tocava uma valsa triste. Lisca chorou.
As lembranças de seu pai e de sua mãe, os seus 30 anos de lida, “as quantas domadas”, as mulheres que teve e as que não teve, o dinheiro que não ganhou, a gaita soando ao fundo, os quero-queros e o vento fizeram Lisca sentir um pouco de frio.
        Na verdade ele não sabia o que estava lhe acontecendo; pelo que se lembrasse, nunca havia ficado tão triste como agora... Ficou pesaroso quando morreu o “Doutor João”, seu patrãozito da Estância do Paraíso. Outra vez ficou magoado quando mataram algumas cabeças do plantel de primeira dos correntinos.... mas, desse jeito de agora, Lisca nunca tinha ficado.
         No seu balanço, Lisca concluiu que, de tudo que teve, lhe sobrara solamente um cavalo, o Remendo, os pelegos e trapos, uma adaga, um ovelheiro e.....nada mais! Acabou emborcando a guampa e tomou a canha até o fim. Sentiu-se menos triste.
          A oito-baixos se aquietou. Ele, virou-se, olhou na direção do galpão e viu apenas a luz do lampião na porta de entrada. O cheiro da  lenha  queimando vinda da lareira da casa grande,  fez Lisca respirar fundo e fechar os olhos.   Sentiu menos frio. Adormeceu encostado no Peludo.