quarta-feira, março 17, 2010

A VELHICE DO VICTOR

O corpo curvado pelo tempo parecia anunciar que já seria a hora de parar.
A história de Victor, um descendente de colonos alemães, conta que ele foi professor de Educação Física.
Talvez tenha 85 anos. Logo lembrarei para contar.
Estive ontem conversando com ele como faço sempre.

Nem toda a história de Victor é conhecida. Alguns capítulos se perderam.
Coisas que aconteceram  há cinco ou seis dias, há trinta dias, ele não consegue lembrar.
Mas ontem ele lembrou do dia em que venceu a competição de atletismo, quando tinha 22 anos, no clube da capital. Victor defendia as cores do clube de sua cidade. O uniforme era vermelho e o brasão bordado na camiseta era branco e amarelo.

Ele fica ali, sentado, sozinho e olhando para o chão. Ontem,  a mão tremia segurando a bengala de madeira, herança de seu avô. Tremeria mais se não tomasse o remédio indicado pelo médico.
Eu sempre tomo  cuidado de lembrá-lo.

Lúcido!

Conversamos sempre sobre muitas coisas. Lembramos daquilo que conseguimos recuperar com a ajuda da nossa memória e, pinçando um detalhe aqui e ali, temos boas histórias para contar. Quando não nos lembramos das coisas, nos resta rir.

Ontem Victor reclamou da dor no braço, o mesmo que ele já havia quebrado naquele jogo de basquete, há 60 anos, quando disputava o principal torneio da cidade.
Porém, dessa vez a causa da dor era outra: dois guris  invadiram sua casa num início de noite e, enquanto ele preparava o café, os vagabundos o derrubaram, roubaram dinheiro e o abandonaram com o braço quebrado e muita dor.
Victor mora sozinho. “Já estou acostumado com a solidão, conta ele. É assim há 30 anos.”
Mais uma semana e ele poderá voltar para casa. O lar para idosos em que ele está hospedado é agradável, mas nada como a casa da gente, afirmava Victor e eu concordava plenamente.

Bem. Na verdade, eu, o contador desta história, sou o próprio Victor. Tenho 89 anos e não 85 e adoro conversar com o Victor, aquele velhinho que, por mais que queira, não tem mais todas as forças físicas.
Eu sou o Victor – o Lúcido – apelido que ganhei do Victor. Sou aquele que pensa e que ama a vida. Aliás, pensar não dói nada. Acreditem!
Assim, eu o Victor aproveitamos nosso precioso tempo para contar histórias um para o outro e fazer planos. Muitos planos.

Um comentário:

  1. Bah, George!

    A Teoria da Literatura, que estudamos na faculdade, trata também do tema do Duplo e de suas variações. Teu texto se enquadra tri bem como exemplo de um duplo trabalhado em primeira pessoa.

    Muito bom!

    Abraço!

    Jeferson

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