domingo, agosto 16, 2009

A FORMIGA

Não sei se sou eu o primeiro a escrever sobre aquela formiga. Não sendo aviso que não fui pelo plágio, apropriando-me indevidamente de ideia de outro, pois nunca li coisa parecida.
Aconteceu assim.
Absorvido pelo texto de um conto que me fazia compartilhar as confidências que Maria segredava a Augusto deparei com uma minúscula formiga que andava sobre as palavras impressas naquela folha.
De fato era muito pequena e parecia nervosa, porque circulava sem rumo definido.
Como que tivesse um microscópio diante dos meus olhos eu forcei minha visão até constatar que a formiga não media mais do que a cabeça de um alfinete.
A visão aguçada levou-me aos detalhes fazendo-me não enxergar mais as frases, as palavras, mas somente letras soltas e a formiga.
Meu cérebro não conseguia juntar aqueles símbolos e a formiga passou de inseto à protagonista.
Pensei comigo: formigas estão sempre trabalhando! Esta estava fazendo o reconhecimento do local. Sua tarefa, dentro da hierarquia existente no formigueiro, era procurar por folhas secas que são utilizadas como alimento.
Servi-me de uma lupa e comecei a investigar com cuidado o comportamento do inseto.
Foi assim que, depois de alguns minutos, observei que a formiguinha andava catando letras, ou seja, ela escolhia uma letra, depois outra e assim por diante.
Logo, de minha observação, concluí que aquela combinação de letras formava palavras que arrumadas resultavam em frase e, por fim, numa pergunta.
A formiga queria que eu indicasse onde ela poderia encontrar folhas secas e, se eu soubesse, seria muito bem recompensado.
Antes de indicar o melhor local falei que eu poderia ajudá-la, mas adverti que o formigueiro de onde ela partira havia, provavelmente, duas horas, estava muito longe daquela página; além disso, avisei-a que o tempo estava mudando, pois o vento norte que soprava naquele momento, indicava que a chuva forte dificultaria seu retorno ao formigueiro.
Rapidamente fui tranquilizado pelo inseto. Ela disse, juntando as letras, que tinha um plano “B”, caso a tormenta viesse a acontecer.
Como eu já desconfiava as formigas estão sempre preparadas para suportar catástrofes, visto que, não raras vezes, os formigueiros são compulsoriamente devastados. Mas elas não se entregam prontamente.
Surpreendo-me ao constatar que algumas delas, depois do desastre, contabilizam mortes por esmagamento, afogamento, encontram formigas mutiladas e com queimaduras importantes, enquanto que outras seguem cumprindo duras tarefas. Mesmo assim, ainda encontram forças físicas e morais para reerguer nova morada.
Ao insistente e impaciente sinal da formiga, que então corria em círculos chamando minha atenção, apontei para o local onde estavam as melhores folhas secas do pátio. Era junto ao pé de uma pitangueira.
Antes que ela seguisse sua jornada, voltei a alertá-la sobre a existência de sabiás que eu observara executando voos rasantes naquele local. Estavam à caça de minhocas e formigas como ela.
Mais uma vez fui tranquilizado pela formiga que voltou a me relembrar da existência do, para mim desconhecido, plano “B”.
Despedimo-nos. Desejei-lhe boa sorte aproximando a lupa como se eu pudesse encontrar expressão de agradecimento no olhar da formiga.
Um pouco sem graça acenei. Ela respondeu com um obrigado escolhendo letras maiusculas.
Percebi que, desta vez, ela saiu em linha reta, na direção do pé da pitangueira.
Segui observando até que ela chegou à página seguinte.
Foi quando a formiga deu meia-volta e, desta vez, foi ela quem me alertou escrevendo que eu não contasse a ninguém sobre as coisas que Maria confidenciara a Augusto, pois as pessoas poderiam não acreditar.


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